segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

História de Belregard: A Era do Sangue (de 901 DA à 990 DA) Parte I

Com a vinda do Único para o mundo dos mortais, esperávamos por um direcionamento imediato, mas não foi o que aconteceu. Primeiramente, nosso criador desejou passar um longo tempo junto à corte de Virka, na companhia de Karn IV, assistido pelo próprio Karnorum e seu secto de Oradores. As primeiras lições passadas por Ele serviram para montar o que nós entendemos hoje como a origem da vida em Belregard. Soubemos sobre a Era da Vergonha em maiores detalhes e também serviu para que apenas uma aparência fosse assimilada ao Criador. Parece que, pelas iluminuras da época, o Único tomou para si a forma de um homem humilde e singelo, com características físicas que lembravam nossos antepassados que ainda viviam no vale de Belghor.

A notícia da chegada do Único espalhou-se pelo mundo dos homens e não foram poucos que atenderam ao chamado. Pessoas vindas de longe, armando-se com equipamentos precários, e caminhando quilômetros a pé para conseguir ver o Criador da sacada da janela do castelo em Virka. Vieram de Belghor e de Rastov aos milhares e não só destes pontos civilizados. Como nossa espécie já havia se espalhado a outros pontos, pessoas sem uma representação real de poder também migraram para as ruas da cidade e o crescimento abrupto da população trouxe problemas.

Diante do caos gerado pela presença do Criador, o próprio achou prudente partir. Decidiu tomar andanças pelo mundo, visitando cada um dos locais onde os homens pudessem estar, para levar a eles a palavra da ordem. Não levou multidões de andarilhos com ele, mas apenas um grupo de homens escolhidos a dedo. Estes homens, num total de cinco, são conhecidos hoje como os Puros e suas visões de mundo, através das palavras do criador, deram cabo de firmar o cisma da fé.

Durante sua peregrinação, o Único visitou as antigas civilizações blasfemas que escondiam-se nas matas, montanhas, pântanos e subterrâneos, deixando claro que não devíamos mais matar aqueles homem com ideias erradas, e sim convertê-los a verdade do Criador. Eles eram homens como nós, mas filhos perdidos, enganados pelas ilusões dos Selvagens. Neste momento nos ficou claro que nem todos os homens nasceram em Belhgor, o vale foi berço para os escolhidos dos escolhidos, aqueles moldados para representarem tudo de correto que o Criador vislumbrou para sua gente. Novos centros populacionais eram fundados nestes lugares, numa tentativa de tirar os primitivos daquela condição vergonhosa.

Existe um lado negro na história da vinda do Único, um lado que poucos sacerdotes gostam de comentar, mas em nome do saber irei aborda-lo. No momento em que o Único teve sua epifania de criação, à sua sombra surgiu uma força gêmea. A encarnação da entropia e da destruição, que consome pelo simples fato de existir. Esta Sombra, opositora do nosso Pai, nunca agiu de maneira direta contra os homens, mas influenciou-os discretamente, sussurrando-lhes mentiras ao pé do ouvido e enchendo suas cabeças com ilusões enquanto dormiam. Homens como Bövrar II certamente foram levados pela enganação da Sombra. Não só deste tormento sofriam os homens. Quando o Único envergonhou-se pela condição na qual seus filhos, nós, viviam e tomou a atitude de nos favorecer, expurgou outro mal de sua consciência divina, a própria vergonha. Um dos mais terríveis, se não o pior, dos pecados dentro de nossa sociedade. Aquele que faltar com sua palavra, traindo a honra que deve, trazendo vergonha para si mesmo e aos seus, deve sofrer as mais dantescas punições.

Em Belregard, toda ação trás consigo uma reação e a vinda do Único para o mundo dos homens abriu as portas para que a Sombra fizesse o mesmo. Ela não poderia ter sido mais vil em sua artimanha para atormentar os vivos. No recluso vale de Belghor, ainda habitado por seres humanos inocentes e puros, a sombra trouxe de volta a linhagem dos Bövrar, iniciando a construção de um novo bastião de escuridão em Belregard. Aquelas famílias, em pequenas comunidades agrícolas, não tiveram como resistir à influência esmagadora da entidade encarnada e, dessa maneira, a depravação dos Bövrar voltou a reinar. Os recursos naturais eram consumidos numa velocidade assustadora e, o pior de tudo, o novo monarca não deixou de usar nem mesmo os Selvagens para atingir seus objetivos, indo contra a missão que o Único nos impôs.

Ciente do que estava acontecendo, o Único nos alertou do mal que estava por crescer e libertar-se, vindo do antigo vale de Belghor. Suas andanças pelo mundo serviram para firmar novos pontos de moradia. Os Puros levaram o Único aos sítios onde os combates contra os Selvagens haviam acontecido e em alguns deles nosso criador aconselhou a criação de assentamentos. Noutros casos levamos a palavra do Senhor até os ainda primitivos, que pensávamos serem selvagens também. Foi desta maneira que regiões como Igslav e Viha foram povoadas.

Naquele período era comum aos monarcas de certas regiões mais proeminentes, Virka e Rastov, cederem pedaços generosos de terras para seus súditos mais importantes. Não demorou para que novos pontos fossem conquistados e dessa relação de poder que ia florescendo pouco a pouco, vinham casamentos intricados e relações próximas entre famílias em franca ascensão. Quando os Vlakin tomaram o poder de Rastov, dando fim a dinastia Draken, seu sangue era aparentado dos Karn, de modo que o novo monarca do norte poderia, no futuro, tomar o controle de Virka. E foi exatamente o que aconteceu.

Com o fim das andanças do Único, era o momento de voltar-se para a escuridão que surgia em Belghor. Alertando aos seus conselheiros mais próximos, monarcas e Puros, nosso Pai partiu sozinho para a terra negra de Bövrar III, para nunca mais ser visto. Nós sabemos que ele se sacrificou, na certeza de que a Sombra só abandonaria o mundo com a sua partida. Nenhum de nós pode imaginar como deu-se este conflito, mas a certeza de que a morte do corpo mortal do Único serviu como um sacrifício para todos nós é certa dentro dos círculos que se criaram com cisão da fé. Existem aqueles que defendem o sacrifício pelos pecados passados, outros que defendem ainda os pecados futuros.

A morte do Único, no ano 928, marcou tremendamente a vida em Belregard. Alguns sacerdotes sentiram esta perda mais que outros, sendo levados a uma loucura assassina. Aquele dom emprestado por nosso Pai, que nos permitia operar pequenos milagres em seu nome, desapareceu. Era como se a nossa conexão estivesse perdida para sempre. A morte do Criador parecia não só na carne, mas também no espírito. Porém, esta condição foi mantida em segredo pelos Oradores e pelos Puros, apenas três mantiveram-se juntos das principais ordens. Foram eles:

Alec, um nativo de Virka que passou a migrar pelo mundo assim que sentiu a ausência do Criador em seu coração. Pregava que apenas na total introspecção e entrega de corpo e alma seria possível falar novamente com o Pai. O comportamento dos homens havia causado aquilo, fazendo com que o Único se afastasse de nós mais uma vez.

Leoric, que veio de Rastov, era a encarnação do soldado divino. Viu no sacrifício de Deus uma pista para o próximo passo da humanidade. As armas de Belregard deveriam ser apontadas para o leste, na direção do vale de Belghor. Se Bövrar não desistisse de seu reinado pérfido, ninguém deveria ser tratado como inocente. Reivindicando favores com o rei de Virka e Rastov, conseguiu uma imensa porção de terra ao norte de Belghor, batizada de Birmanen.

Lazlo foi o que menos sentiu a perda do Criador. Segundo seu pensamento, não deveria existir arrependimento, ou mesmo perdão, pelos atos praticados pela humanidade ao longo daqueles séculos. Tudo o que eles fizeram seguiu o direcionamento do próprio Deus e agora não existia mais tempo de se arrepender. O Único encarna todos os aspectos humanos, da bondade à maldade, do caos à ordem. A Sombra nada mais é do que a forma como chamamos essa manifestação natural, por termos medo de nossa verdadeira natureza, não tão diferente da dos Selvagens. Apesar de ter causado impacto com suas alegações, Lazlo atraiu muitos simpatizantes, já que não julgava homens gananciosos, como Alec fez antes de partir.

Os outros dois Puros que acabaram por serem excluídos desta história merecem uma menção. Um deles, Helish, foi levado à loucura quando sentiu a morte do Único. Aqueles que estavam em sua companhia disseram que Helish verteu sangue por todos os orifícios de seu corpo e que seus gritos gargarejantes poderiam enlouquecer qualquer homem são. Seu corpo desapareceu e tudo que encontraram no salão onde estava, foi seu velho manto marrom. O outro, que teve seu nome completamente apagado dos anais da história de Belregard, supostamente não obedeceu ao conselho do Único e partiu atrás do mesmo no momento em que sacrificou-se na escura Belghor. Por muito tempo foi tido como morto, mas na virada do milênio falava-se sobre um novo conselheiro dos Bövrar, uma espécie de Eleito Negro.

4 comentários:

  1. Otima continuação...

    Imprimindo e conferindo com calma.

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  2. Simplesmente excelente! Os nomes dos personagens e a maneira como os fatos são narrados contibuem muito para a criação de uma poderosa mitologia.

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  3. Obrigado pelos comentários, nobres almas.

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