Conta a
lenda da Ausência que, três dias antes da vinda do Criador, sacerdotes perderam qualquer contato com as emanações do Pai.
Sentiram-se abandonados, desgraçados e desamparados. Alguns
resistiram, vendo naquilo um teste de força, mas outros sucumbiram à
loucura. Estes segundos foram tocados pela Sombra que desceu ao mundo
junto do Criador, como sua luz não podia existir sem aquela
escuridão, os mais fracos e descrentes foram atraídos pelas suas
ilusões e enveredaram-se num caminho de pecado sem volta. Um destes
homens foi um igslavo, recém-convertido, de nome Mikhailo.
Servindo
como mercenário para os belghos de Rastov, Mikhailo aceitou a
verdade do Único como sua nova fé, abandonando seus deuses
heréticos e renegando seu passado como um selvagem da Taiga Branca.
Foi treinado nas artes dos homens civilizados, aprendeu a lutar, ler,
escrever e orar. Onde muitos de seus irmãos de sangue viam apenas
mais um obstáculo para serem aceitos naquela nova sociedade,
Mikhailo sentiu-se verdadeiramente tocado pela Fé no Criador.
Rapidamente deixou as armas em segundo plano, habitando o claustro
monástico e dedicando-se a profundas meditações, como se tivesse
pressa em recuperar todos os anos que perdeu direcionando sua fé a
entidades inexistentes.
Pouco
antes da Ausência, Rastov estava enfrentando problemas no norte o no
sul. Os Dwerthären já não eram uma ameaça no norte, mas os
bárbaros das montanhas, os vogos, continuavam suas hostilidades
abertas para com tudo aquilo que fosse civilizado. E no sul eram os
vihs que pressionavam a castelania, dando seus primeiros sinais de
insurreição. Completamente dedicado as suas orações, Mikhailo não
parecia disposto a investir com seus irmãos igslavos contra aqueles
que também partilhavam parte de seu sangue, os vihs. Os homens de
Rastov avançaram contra o sul no primeiro dia da Ausência.
Pego de
surpresa, Mikhailo só sentia o vazio dentro de si. Novamente as
descrições mais encontradas nos registros destes dias repetem a
expressão que reflete a sensação de “faltar o chão, as paredes
e o teto, é como perder-se na escuridão sem fim”. Apesar de ser
um devoto fanático, o igslavo não tinha a confiança dos homens
mais capacitados dentro da igreja de Rastov, por isso viu-se sozinho
para enfrentar aquele sentimento avassalador. Acreditando que sua
escolha de não ter ido à guerra desagradou a Deus, agarrou seu
velho e pesado aço e partiu para o combate.
Naquele
momento ele sentiu-se completo outra vez. A cacofonia de vozes
lamentando, praguejando e chorando eram abafadas. Só ouvia o som do
aço batendo contra a carne e o guinchado dos homens, fazendo-os
parecerem porcos no abatedouro. Mikhail sorria enquanto praticava sua
dança mortal, matando a todos que cruzavam seu caminho, fossem
homens de Rastov ou não. Sentindo o toque da Sombra, enganado, o
igslavo desejava apenas manchar a Taiga Branca de rubro e era como se
nunca tivesse deixado de praticar o combate. Entendeu que ali estava
sua vocação e que para recuperar o tempo que novamente perdeu,
deveria ser o último homem de pé.
Assim
foi.
Nos dois
dias que se seguiram de Ausência, Mikhail continuou ceifando a vida
de qualquer homem que encontrasse em seu caminho. Dizem que ele
alimentou-se da carne dos mortos e que nem os corvos conseguiam
encontrar o que devorar. A partir de então, ao avistar-se uma
revoada de asas negras, as pessoas de bem buscam um abrigo seguro e
baixam suas armas, pois sabem que os corvos seguem Mikhail de perto,
numa tentativa de tirarem maior vantagem no festim.
Wow q legal a história de Mikhail!
ResponderExcluirPelas minhas barbas! Excelente história!
ResponderExcluirObrigado pelos comentários, meus nobres. Esse "cortejo sombrio" tem o objetivo de servir como sementes de histórias mesmo.
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