Latza
é uma pequena concessão à oeste de Varning, próxima o bastante de
Dalanor para gozar de certa tranquilidade. Regida pela casa dos
Florenci, Latza não parece partilhar dos mesmos problemas que o
resto de Belregard, no que diz respeito à guerra e a corrupção que
batem à porta do mundo civilizado. Para aqueles mais jovens, a
região sempre foi agradável, pacífica e próspera. Eles não estão
errados, em todo, mas houve um episódio que maculou a aura de Latza.
Foi em 900 DA, quando o Criador desceu a Belregard para guiar seus
eleitos, que um culto profano dominou a todos nesta pacata região.
Os
registros oficiais da Igreja não falam sobre a Ausência de
Deus, que ocorreu três dias antes de sua vinda. Para os mais
religiosos este foi o momento onde o Único testou a fé dos homens,
vendo quais continuariam com ele sem que ele lhes desse a graça que
tornava possível a realização de pequenos milagres. Baricos, o
senhor de Latza, que não passava de uma singela aldeia, naquele
período, teve seu próprio dom roubado. Não tratava-se de um senhor
mal quisto pelo seu povo, mas a ganância de Baricos era lendária.
Diz-se que ele recebeu a concessão de Latza diretamente das mãos do
monarca, Karn VI, como uma última tentativa de afastá-lo das
políticas da corte. Em Virka sua presença não era querida, mas em
Latza com sua própria corte, era um rei de verdade.
Talvez
por influência das histórias que ouvia dos dalanos, sobre leões,
raposas e lobos, Baricos tenha decidido ordenar que seus homens
construíssem um novo ídolo. Ninguém sabe ao certo o que motivou o
nobre sacerdote louco, mas é fato que uma imagem blasfema foi criada
nas entranhas da terra. Nem todas as pessoas de Latza sabiam disso,
Baricos escondeu sua fraqueza enquanto pôde e, mantendo um trabalho
incansável de seus homens, criou o ídolo em apenas dois dias. Ele
parecia feito de ouro. Tinha um corpo robusto, apoiado em quatro
patas poderosas. Se caminhasse, seria ameaçador e elegante. Lembrava
um leão, mas seu rosto era ocupado por terrível semblante humano,
vazio e perdido.
A
figura irreal desfilou pela cidade sobre uma liteira, com o próprio
nobre sendo um dos homens que a carregava. Como Baricos era um
religioso, homens e mulheres humildes apenas o seguiram, prestando
homenagens ao ídolo profano. Colocaram-no na praça da cidade e o
sacerdote ordenou que todos trouxessem aquilo que mais amavam para
oferecer ao Cão do Criador, era como Baricos nomeou sua criação.
Um após o outro, camponeses e nobres menores trouxeram bens de
valor, todos eram recusados com pesados golpes no rosto, seguidos de
insultos. Temerosos da ira de Deus, um dos homens, um jovem lavrador,
disse que seu bem mais precioso era a própria vida e que não temia
dá-la a Deus, já que a ele pertencia desde sempre. Com um sorriso
insano, Baricos trespassou-o com seu punhal, fazendo a terra
nutrir-se com o sangue inocente. O que se seguiu foi um verdadeiro
massacre. Pais mataram filhos e filhos mataram pais.
Ninguém
sabe que fim levou Baricos, mas a estátua do Cão do Criador ainda
existe e adorna os subterrâneos de Varning. Alguns dizem que lhe
prestam homenagens, já que a Castelania é apontada como um antro de
pecadores e transgressores. Independente de seu destino, este é
apenas um episódio que descreve bem como se sentiram os homens que
viram-se abandonados por Deus subitamente. Sem qualquer aviso, aquele
alento que lhes tornava seguros, confiantes, deixou de lhes dar
forças. Não sabiam para onde olhar, a quem recorrer, não desejavam
demonstrar fraqueza perante seus súditos. É nesse momento que
separaram-se os verdadeiros crentes dos meramente convenientes.
Aqueles que não usam a fé como uma muleta para arrastarem-se em
suas vidas. Perdidos, sem um chão, foram presa fácil para a Sombra.
Inúmeros
outros casos como este ocorreram, talvez até mais sangrentos e
desesperadores. O que preocupa é o fato de que, hoje, Deus está
morto! O clero de Belregard esforça-se para manter este segredo
muito bem guardado. Quando um iniciante da seus primeiros passos
dentro de qualquer ordem sacerdotal, ele mantém a esperança de que
será capaz de operar certos milagres com o tempo, conforme
aproxima-se do centro da espiral de conhecimento divino, mas isto não
acontece nunca. Não há magia em Belregard, não como a que os
homens possuíam, antes da morte do Pai. O que poderia acontecer se
esse sentimento de abandono novamente acometesse a todos?
Esta é uma questão de MUITA importância, que poderia mudar os ventos de um mundo inteiro...
ResponderExcluirObrigado, Odin. Estou pensando em levar um pouco mais essa questão da morte de Deus em conta nos esquemas do cenário.
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