sexta-feira, 13 de maio de 2011

O Cortejo Sombrio - Baricos de Latza




Latza é uma pequena concessão à oeste de Varning, próxima o bastante de Dalanor para gozar de certa tranquilidade. Regida pela casa dos Florenci, Latza não parece partilhar dos mesmos problemas que o resto de Belregard, no que diz respeito à guerra e a corrupção que batem à porta do mundo civilizado. Para aqueles mais jovens, a região sempre foi agradável, pacífica e próspera. Eles não estão errados, em todo, mas houve um episódio que maculou a aura de Latza. Foi em 900 DA, quando o Criador desceu a Belregard para guiar seus eleitos, que um culto profano dominou a todos nesta pacata região.

Os registros oficiais da Igreja não falam sobre a Ausência de Deus, que ocorreu três dias antes de sua vinda. Para os mais religiosos este foi o momento onde o Único testou a fé dos homens, vendo quais continuariam com ele sem que ele lhes desse a graça que tornava possível a realização de pequenos milagres. Baricos, o senhor de Latza, que não passava de uma singela aldeia, naquele período, teve seu próprio dom roubado. Não tratava-se de um senhor mal quisto pelo seu povo, mas a ganância de Baricos era lendária. Diz-se que ele recebeu a concessão de Latza diretamente das mãos do monarca, Karn VI, como uma última tentativa de afastá-lo das políticas da corte. Em Virka sua presença não era querida, mas em Latza com sua própria corte, era um rei de verdade.

Talvez por influência das histórias que ouvia dos dalanos, sobre leões, raposas e lobos, Baricos tenha decidido ordenar que seus homens construíssem um novo ídolo. Ninguém sabe ao certo o que motivou o nobre sacerdote louco, mas é fato que uma imagem blasfema foi criada nas entranhas da terra. Nem todas as pessoas de Latza sabiam disso, Baricos escondeu sua fraqueza enquanto pôde e, mantendo um trabalho incansável de seus homens, criou o ídolo em apenas dois dias. Ele parecia feito de ouro. Tinha um corpo robusto, apoiado em quatro patas poderosas. Se caminhasse, seria ameaçador e elegante. Lembrava um leão, mas seu rosto era ocupado por terrível semblante humano, vazio e perdido.

A figura irreal desfilou pela cidade sobre uma liteira, com o próprio nobre sendo um dos homens que a carregava. Como Baricos era um religioso, homens e mulheres humildes apenas o seguiram, prestando homenagens ao ídolo profano. Colocaram-no na praça da cidade e o sacerdote ordenou que todos trouxessem aquilo que mais amavam para oferecer ao Cão do Criador, era como Baricos nomeou sua criação. Um após o outro, camponeses e nobres menores trouxeram bens de valor, todos eram recusados com pesados golpes no rosto, seguidos de insultos. Temerosos da ira de Deus, um dos homens, um jovem lavrador, disse que seu bem mais precioso era a própria vida e que não temia dá-la a Deus, já que a ele pertencia desde sempre. Com um sorriso insano, Baricos trespassou-o com seu punhal, fazendo a terra nutrir-se com o sangue inocente. O que se seguiu foi um verdadeiro massacre. Pais mataram filhos e filhos mataram pais.

Ninguém sabe que fim levou Baricos, mas a estátua do Cão do Criador ainda existe e adorna os subterrâneos de Varning. Alguns dizem que lhe prestam homenagens, já que a Castelania é apontada como um antro de pecadores e transgressores. Independente de seu destino, este é apenas um episódio que descreve bem como se sentiram os homens que viram-se abandonados por Deus subitamente. Sem qualquer aviso, aquele alento que lhes tornava seguros, confiantes, deixou de lhes dar forças. Não sabiam para onde olhar, a quem recorrer, não desejavam demonstrar fraqueza perante seus súditos. É nesse momento que separaram-se os verdadeiros crentes dos meramente convenientes. Aqueles que não usam a fé como uma muleta para arrastarem-se em suas vidas. Perdidos, sem um chão, foram presa fácil para a Sombra.

Inúmeros outros casos como este ocorreram, talvez até mais sangrentos e desesperadores. O que preocupa é o fato de que, hoje, Deus está morto! O clero de Belregard esforça-se para manter este segredo muito bem guardado. Quando um iniciante da seus primeiros passos dentro de qualquer ordem sacerdotal, ele mantém a esperança de que será capaz de operar certos milagres com o tempo, conforme aproxima-se do centro da espiral de conhecimento divino, mas isto não acontece nunca. Não há magia em Belregard, não como a que os homens possuíam, antes da morte do Pai. O que poderia acontecer se esse sentimento de abandono novamente acometesse a todos?

2 comentários:

  1. Esta é uma questão de MUITA importância, que poderia mudar os ventos de um mundo inteiro...

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  2. Obrigado, Odin. Estou pensando em levar um pouco mais essa questão da morte de Deus em conta nos esquemas do cenário.

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