Sansão,
o Desaparecido
“A
chuva me perturba bastante. Posso sentir cada gota encontrando-se
contra a aba de meu chapéu e a muito meu sobretudo foi trespassado,
deixando meu corpo molhado e trêmulo, devido ao vento que acompanha
a torrente. É como sentir sua carne e seus ossos encharcados.
Desisti de correr e por isso faço meus passos lentos, fitando o chão
mapeado por poças sujas e escuras. É difícil ouvir algo além da
água. A rua encontra-se deserta e mesmo com a tempestade eu posso
sentir o cheiro odioso que vem do Beco das Palmeiras. Preciso
encontrar Carlos, ele certamente poderá me ajudar a encontrar
Sansão, já que inúmeras vezes foi meu cúmplice, a muitos anos
atrás.
Passo
pelos umbrais de um velho beco apinhado de lixo e roupa suja, a pouca
cobertura da marquise de algumas varandas de prédios me protegem da
água e eu finalmente posso respirar sem sentir tanto a dor do frio
penetrante em meus pulmões. Começo a me lembrar como me meti
naquela investigação. É certo que esse é o meu trabalho, mas já
faz tanto tempo. Como pode se lembrar de mim e, pior ainda, como pode
confiar em mim? Sacudo a cabeça, deixando meus sentimentalismos de
lado e continuo, agora com mais cuidado. Não tenho ideia do buraco
onde Carlos se esconde.
Um
monte de lixo, fedorento e molhado, resultado de muitos latões
amassados e tombados, começa a se mover. Curioso, atento o olhar e
percebo que se trata de um homem imundo deitado e juntando migalhas
para sobreviver. Fico pensando se do ponto de vista de Deus, todos
nós somos assim. Ele me olha com aquele semblante abatido, alterado
pelo álcool e pela pedra. Sua boca está suja e eu prefiro nem mesmo
imaginar do que. Não sei quanto tempo perco olhando-o, mas parece
ser uma eternidade. Seria Carlos? Faz muito tempo que eu não o vejo,
nenhuma carta ou telefonema.
“-
Ca-Carlos?”, eu pergunto com a voz mais fraca do que podia esperar.
Pronunciar o nome dele daquela forma me fez lembrar da minha infância
e dos longos anos de terapia. Este serviço está mesmo mexendo
comigo, mas agora é tarde pra recuar. O homem caído direcionou os
olhos apáticos até os meus e só meneou, sequer entendeu o que eu
disse.
No
fundo do beco uma porta se abre e uma voz grave, mas ainda familiar,
se faz ouvir: “Quem está aí? Eu vou chamar a polícia!”. Olho
naquela direção e seguro na parede para não cair quando tento
caminhar. Meu peito se aquece e o frio se torna menos incômodo. É
ele, meu velho amigo Carlos, tão castigado pela vida quanto eu. Me
aproximo com calma, mostrando as mãos livres. “Acalme-se, sou
detetive. Você é Carlos, estou certo?”, dito isso, tirei meu
chapéu e a cabeça rareando cabelos o fez sorrir. Ainda tem as
bochechas sujas, como na época de moleque.
“Não
acredito nisso!”, ele exclama com um sorriso que mal cabe em seu
rosto e antes que eu possa retribuir recebo o abraço forte de um
amigo, do tipo que não sinto a muitos anos. E, para piorar, ele
continua, dizendo as palavras que me fizeram voltar aos dias em que
todos nós vivíamos no mesmo bairro: “Cebolinha, seu cafajeste!
Por onde andou todos estes anos?”, ouvir aquele apelido de criança
me faz trocar “r” por “l”, mas eu estou feliz. Feliz por
estar com meu velho amigo Cascão. Eu sou incapaz de encontrar Sansão
sem ajuda dele. E, dessa vez, o Sansão é muito mais valioso.
Mônica, a Mônica que não é mais minha, depende de nós para
encontrar seu pequeno herdeiro."
Cara...
ResponderExcluirSimplesmene surpreendente. Me lembrou um vídeo o Mario onde ele fika louco de tanto tomar cogumelo e por isso perde a príncesa.
Utilizar a ideia infântil da Truma da Mônica como pano de fundo foi realmente incrível.
Sobre erros, percebi apenas estes...
3º Parágrafo:
"... pelo álcool e pela pedra". (acredito que seria preciso informar - Pedra de crack)
"... Não sei quanto tempo perto olhando-o..." (acredito que seria - perco olhando-o)
Abraços Arauto do Único!
Nossa, muito interessante mesmo! Não tem continuação? Eu nunca ia imaginar que era "A Turma da Mônica"!
ResponderExcluirPelas minhas barbas.... realmente surpreendente!!!
ResponderExcluirAgradeço os comentários, pessoal. É o tipo de ideia que vem do nada e só te deixa em paz quando você concretiza. Fico feliz em saber que deu pra surpreende-los com o final. E não, Astreya, eu não pretendo continuar. Valeu pelos toques, Rafael.
ResponderExcluirVenho reivindicar a continuação da obra! o/
ResponderExcluir